Esta manchete é fictícia, mas poderia se transformar em realidade de acordo com a narrativa a seguir.
O senador Jorge Viana está tendo uma tarefa difícil. É o relator da Comissão de Meio Ambiente do Senado que avalia o código florestal. Um dia ele ouve cientistas dizendo que o projeto aprovado na Câmara tá cheio de problemas. No outro, ouve os ex-ministros de meio ambiente que concordam com os cientistas. Porém, no dia seguinte ouve os ex-ministros da agricultura dizerem que o projeto é ótimo e vai garantir a conservação e a produção agropecuária.
Essas contradições têm preocupado e irritado alguns senadores. Semana passada, no início da audiência dos ex-ministros da agricultura um deles disse que é preciso promover um debate entre os convidados para tratar destas contradições. Depois da mesma audiência, uma senadora disse que faltou propositalmente a reunião do dia anterior com os ex-ministros de meio ambiente, pois não aguenta mais ouvir os argumentos ambientalistas.
Diante dessas contradições, preocupações e sinais de colapso do diálogo, o senador Jorge Viana fez uma proposta interessante na semana passada. Sugeriu que os ex-ministros da agricultura e de meio ambiente se reunissem durante um dia para chegar a um meio termo. A proposta é boa, mas me atrevo a sugerir alguns aperfeiçoamentos de método para ajudar a sair do impasse.
O encontro deveria ser realizado durante pelo menos uma semana em visitas de campo a vários tipos de imóveis rurais (grandes, pequenos e nos vários biomas) onde os ministros e senadores debateriam problemas concretos. A concretude dos problemas forçaria uma reflexão focada.
Eles seriam acompanhados por cientistas nas áreas de interesse (solo, biodiversidade, clima, economia, engenharia florestal) e um especialista em finanças públicas (Show me the money!). Os cientistas e especialistas ajudariam a confrontar eventuais interpretações enviesadas das realidades do campo e a busca de soluções.
Os ex-ministros e senadores se hospedariam na casa de agricultores e fariam as refeições juntos. Um especialista em gestão de conflitos acompanharia o grupo para facilitar esclarecer as divergências e como solucioná-las.
O convívio no campo poderia resultar em um acordo surpreendente como descrevo a seguir.
Diante de uma Área de Preservação Permanente degradada, seria mais provável que senadores e ex-ministros discutissem como evitar e corrigir tal situação do que em alguém repetir que o código florestal atende a supostos interesses internacionais.
Um ex-ministro de meio ambiente diria:
“Precisamos criar incentivos econômicos para a recuperação das áreas degradas nos imóveis pequenos”.
Todos os ex-ministros e vários senadores concordariam. Porém, antes que um pequeno produtor (seu João), ouvindo a conversa se animasse, um dos senadores diria:
“Essa estória de pagar por serviços ambientais é conversa pra boi dormir. O Brasil não tem dinheiro para isso!”
Seu João, irritado com as notícias sobre corrupção diria:
“Como que não tem dinheiro, Senador? Tem dinheiro sim! O problema é que tem corrupção demais. Dias atrás o ex-diretor da Conab, irmão do senador Jucá que está aqui disse que no Ministério da Agricultura só tem bandido. A presidente Dilma demitiu alguns, mas já ouvi dizer que a faxina parou. Parou por quê?”
Já nervoso, seu João arremataria:
“Se acabasse com a corrupção sobraria dinheiro pra nos ajuda a cumprir a lei e pra melhorar a condição da nossa terra”.
Silêncio no ar.
O especialista em finanças públicas, aproveitando o silêncio:
“É verdade seu João, um estudo recente da Fiesp estimou que a corrupção atinge R$51 bilhões por ano. Se o governo reduzisse pelo menos 30% da corrupção, sobraria uns R$ 15 bilhões por ano para investir na recuperação de áreas degradadas. Imagino que R$ 15 bilhões daria para plantar muitas árvores”.
Antes que alguém responda quanto daria para plantar com R$ 15 bilhões, seu João desafia:
“Então senador, como que não tem dinheiro?
Mais silêncio no ar.
O engenheiro florestal que acompanha o grupo calcula rápido na cabeça:
R$ 15 bilhões dividido por R$1.500 para recuperar um hectare degradado): “10 milhões de hectares reflorestados por ano!”.
Incrédulo, pensa:
“Tudo isso?”
Tira o celular do bolso e refaz a conta na calculadora para não falar bobagem diante de ex-ministros e senadores. Sua cabeça estava certa: 10 milhões de hectares reflorestados por ano!
O engenheiro florestal vocaliza o número:
“10 milhões de hectares reflorestados por ano!”
Seu João desafia novamente:
“Tá vendo senador? É uma muita área. O que vocês vão fazer?”
Um senador constrangido começa a explicar:
“Veja bem seu João, já estamos lutando contra a corrupção. A situação está melhorando”.
Antes que o senador se prolongue, o especialista em finanças públicas lembra:
“Senador, o estudo da Fiesp é de 2010. O problema ainda é grave”.
Seu João se vira para a Senadora Kátia Abreu, que ele sabe é guerreira:
“Senadora, não dá pra fazer um tratoraço contra a corrupção? Quando a senhora organiza o tratoraço para renegociar a dívida agrícola a senhora consegue. Não consegue?” Vamos fazer um tratoraço contra a corrupção junto com os ambientalistas para garantir dinheiro para os agricultores!
O ex-ministro Minc visualiza a manchete nos jornais:“Tratoraço ecológico pelo Código Florestal” e dispara:
“Vamos fazer Senadora Kátia Abreu. Eu convoco os ambientalistas para o tratoraço ecológico!”
Kátia Abreu se rende:
“Vamos fazer.”
Os cientistas complementam:
“Nós convocaremos os cientistas e universitários”
O especialista em finanças públicas, que é do Ministério da Fazenda, engrossa o caldo:
“Vamos convocar os funcionários públicos de carreira, pois estamos cansados da imagem de corrupção que em muitos casos é feita por indicados políticos. O governo tem de diminuir estas indicações.”
No restante do dia, os participantes do encontro começam a ligar para seus pares para consultar sobre os detalhes do tratoraço ecológico.
Em quinze dias o tratoraço seria realizado com dezenas de milhares de participantes.
A presidente Dilma, apoiada pelo povo, continuaria a faxina e o Congresso apoiaria as mudanças de regras contra a corrupção.
O Senado aprovaria um código florestal que incorporaria as melhores praticas para garantir a harmonia de produção e conservação. E mais do que isso, com garantia de recursos para apoiar a restauração de áreas degradadas.
Assim, o Brasil mataria dois coelhos com uma cajadada: reduziria a corrupção e garantiria a conservação ambiental. Quem topa?
Fonte: Paulo Barreto/Amazônia Sustentável