Incubação no tucupi
Uma nova geração de políticas públicas é ilustrada pelo
lançamento, hoje, do ICMS Verde do Pará
Em primeiro lugar porque o instrumento sinaliza – para a
Amazônia inteira e, em parte, para o país como um todo – que a gestação de
políticas baseadas originalmente no enfrentamento de uma emergência (a luta ao
desmatamento) pode e deve se transformar na incubação de políticas de
desenvolvimento, por meio do estímulo à inovação e adoção de novas tecnologias
– no campo assim como na gestão pública. Trata-se de um desafio crítico na
tradicional economia de “surtos” amazônica, para usar as palavras do último
provocante livro de Bertha Becker, A Urbe Amazônida, lançado semana passada.
Em segundo, por usar o instrumento tributário de forma
criativa, valorizando a chamada função extrafiscal do imposto, isto é aquela
que o usa para orientar a transformação da sociedade e não apenas com
finalidade arrecadatória desprovida de um norte estratégico. No momento em que
as ruas clamam por maior proximidade e relação direta entre cobrança por parte
da administração pública e fornecimento de serviços, é um passo pequeno, mas
conceitualmente significativo, na direção certa. Nada novo, se considerarmos
que desde 2003 o art. 170 de nossa Constituição pede aos governantes de tratar
de agir de forma diferenciada, na ordem econômica, de acordo com a pegada
ambiental. Mas ao mesmo tempo muito novo, se levarmos em conta que isso não
saiu das páginas da Carta Magna, até hoje.
E finalmente, por inaugurar de maneira promissora o que
deverá ser a implementação do novo código florestal, independentemente de
gostarmos mais ou menos dele.
Trata-se de uma legislação que só poderá pegar se
suas duas pernas estiverem funcionando: de um lado, o Cadastro Ambiental Rural,
do outro o conjunto de incentivos econômicos previstos em seu art. 42. E o ICMS
Verde do Pará tem o mérito de juntar as duas coisas num círculo virtuoso, ao
vincular a progressivamente a destinação do imposto aos municípios aos
progressos no cadastro (além de que na redução do desmatamento).
Passei esta semana em Belém, aprofundando com a dinâmica
equipe da secretaria especial para Municípios Verdes os pormenores da medida.
Claro, ainda é um instrumento modesto, em termos de impacto total. Mas tem o
mérito de ir muito além dos modelos convencionais de “ICMS ecológico” de muitos
estados, baseados meramente em critérios de extensão territorial de unidades de
conservação. É um instrumento replicável, que pode ser utilizado (com métricas
e focos diferentes, mas os mesmos princípios) em outros estados. E é um
instrumento estratégico, que pode alavancar outras medidas sinérgicas para
estimular os atores econômicos, além dos municípios. Enfim, não é prato
principal, mas é uma ótima entrada que vai abrir o apetite da sociedade e
prepará-la para entrar para valer na seara do tributo inteligente ao serviço da
sustentabilidade. Com legítimo e cativante tempero caboclo.
* Roberto Smeraldi, 53, jornalista, é diretor de políticas
da OSCIP Amigos da Terra – Amazônia Brasileira, vice-presidente do instituto
Atá, autor do Novo Manual de Negócios Sustentáveis
(Publifolha, 2009).
Matéria do: amazonia.org.br
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