quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

LULA NA PRAIA

Se você imagina que é novo isto de o governante ficar exposto a uma câmera de big brother, pode tirar o cavalinho da chuva.
No Palácio de Versailles existe um aposento com uma mesa comprida no canto, separada do resto do quarto por uma corda.
A não ser que o guia turístico tenha inventado (guias gostam de inventar), Luís 14 fazia ali refeições observado pelos súditos. A corda era para impedir que estes chegassem perto do rei-sol.
O que leva alguém a querer ver o rei arrancando com os dentes pedaços de um frango que a autoridade imperial manipula com os dedos?
O mesmo fenômeno que faz Luiz Inácio Lula da Silva colecionar uns pontinhos sempre quando, como nestes dias na praia, aparece com características humanas. Mesmo que a ocasião não seja a mais conveniente, diante das tragédias do ano-novo. Mas Lula tem gordura de popularidade para queimar...
No fundo, talvez nós súditos — hoje eleitores — desejemos mesmo saber se o chefe da tribo está bem, em condições de cumprir seu papel de guardião da coletividade. E se o cacique ainda dá um jeito de expor traços de humanidade, melhor: sendo humano, talvez se compadeça de nós.
O que as gentes querem do líder não tem mudado ao longo da história. Força, proteção, justiça, compaixão. Boa parte —talvez a maior parte— da força política de Lula reside aí.
Em termos objetivos, o governo dele é perfeitamente criticável. Mas o presidente consegue combinar o conjunto daqueles vetores subjetivos, não exibe deficiência fatal em nenhum.
Ao longo de sua trajetória, e nestes dois mandatos, Lula convenceu a maioria das pessoas de que está preocupado com elas, ocupado em cuidar delas, em zelar para que tenham uma vida melhor.
Vejam que esta coluna não é sobre fatos, mas sobre percepções. Na política, a percepção costuma ser fundamental.
Outro dia comentei sobre algumas evidências de que no governo Fernando Henrique Cardoso houve avanços sociais mensuráveis.
Na reação ao que escrevi, nenhum leitor questionou os números (até porque eles são oficiais): questionaram as intenções de quem —imagine só!— pode ousar dizer que Lula não foi em cinco séculos o primeiro governante brasileiro a olhar pelo pobre, para arrancá-lo da pobreza.
E o fenômeno tem aspectos curiosos. Itamar Franco deixou a Presidência em 1995 muito bem avaliado. Tinha liquidado a inflação. De lá para cá, nada fez para perder prestígio.
Mas num ranking de confiabilidade divulgado dias atrás ele está no pelotão da retaguarda, junto com ex-presidentes que saíram mal do cargo. Por quê? É o efeito-contraste.
Dizer que Itamar, FHC e José Sarney tiveram seus méritos para trazer o Brasil a um presente bacana poderia, quem sabe?, soar como reprovação a Lula.
Não que haja um “lulismo”. Simplesmente, a maioria enxerga Lula como um ativo seu e o protege.
É ocioso, de um ângulo político-eleitoral, discutir o quanto pode haver de saudável ou patológico nessa relação, ou quanto a esfera material sustenta a percepção.
Em política, pode mais quem chora menos. Esse é um bem de Lula e ele o cultiva, sem vacilação. Na sua área de responsabilidade, não deixa facilmente brechas para que os adversários o acusem de alheamento, elitismo, insensibilidade, pouca preocupação com a maioria.
O cidadão até entende quando o político erra. E perdoa, desde que não ultrapasse certos limites.
Insuportável para o súdito-eleitor é quando o poderoso perde qualquer traço de humanidade, quando se escancara que o líder só se preocupa com ele próprio, com os benefícios que o cargo pode lhe prover.
Ninguém é idiota de achar que os políticos pensam em primeiro lugar nas outras pessoas e não neles, mas a fórmula vitoriosa é a de Lula: sempre decidir em benefício próprio, mas dando invariavelmente a impressão de que decide em função do interesse geral.
E deixando claro, sempre, que mantém intactos seus traços de humanidade.

Do blog do Alon
No blog do Ricardo Noblat

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